terça-feira, março 07, 2006

Agora e ainda sobre o cúmulo das penas...

Sua Excelência o sr. Presidente da República Dr. Jorge Sampaio alertou ontem os políticos a "olharem para os processos" e a repensarem a forma como é feito o cúmulo jurídico das penas.
Num contexto em que em muitos países da Europa existe ainda o sistema do cúmulo material das penas, não deixa de ser de certa forma surpreendente a afirmação feita, até porque os tribunais me parecem, em regra, cuidadosos até em termos de justiça relativa.
Com efeito, e para quem não saiba, o nosso sistema de cúmulo, dito jurídico, é "um sistema de pena única em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes, sem que possa ultrapassar a soma das penas concretas que seriam de aplicar aos crimes singulares", conforme tem vindo a ser afirmado em acórdãos do S.T.J..
A afirmação feita pelo sr. Presidente pode ainda surpreender por ser feita por quem tem sempre a possibilidade de usar o instituto do indulto, para corrigir situação decerto excepcionais como as que refere- "três pequenos delitos dão oito anos de prisão".
É tal sugestivo de que muito haveria, pois, a corrigir. Contudo, analisando os indultos concedidos no último ano ( vd. D. R. de 22/12/05) apenas se cumputam 56 casos, dos quais alguns se reportam ainda a meras penas de expulsão. E, em concreto, quanto às penas de prisão verifica-se ainda que pequenas foram as reduções, e que são em menor número os casos em que aqueles foram concedidos "por razões de socialização" - em que o regime de cúmulos se pode reflectir -, dos demais, que constam concedidos "por razões humanitárias", ou "pelo esforço desenvolvido na sua reinserção social", que mais dificilmente poderão ser reportados ao dito sistema de cúmulos.
Outra questão é olhar para a execução das penas. Mas isso é outra questão.

1 comentário:

Meiguices disse...

Caro Dr. Maia Costa:

Consultando o seu blog vejo que partilha afinal uma visão não totalmente positiva da actuação do sr. ex-Presidente da República, só que vê a intervenção tida no caso como positiva.
A mim, quis-me parecer um tanto tardia, sendo ainda manifestamente surpreendente a afirmação feita de 3 pequenos delitos que teriam originado uma pena de 8 anos de prisão.
Obviamente que, quanto ao cúmulo da pena, concordo que se preste atenção, e até que se amplie a questão quanto à da própria execução das penas.
Quanto a mim, o essencial está, de facto, em haver outra forma de executar a pena de prisão: a começar pelos caso de existir sobrelotação prisional, mas em que (indiscriminadamente) se admitem - têm de admitir - mais reclusos. Creio que outros países, como a Holanda, não admitem tal.
Também, caso seja admitida uma maior flexibilização na execução das penas - e há muito se fala que teria aí até maior sucesso a pulseira electrónica -, me parece que o "difícil problema da medida concreta da pena" ( no dizer do prof. Figueiredo Dias ) ficaria, assim, pelo menos atenuado.
A propósito, tenho dificuldade também em ver no art. 77.º n.º 1 do C. Penal os critérios decorrentes da referida fórmula que tem sido assente na jurisprudência que me enviou, pois o dito dispositivo legal, decerto com boas razões, fala apenas em "factos" e "personalidade" -
não vejo, nomeadamente, por que grau de redução se deve começar!

Paulo J. R. Antunes - PGA no TRL

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